Gyroscopio 69 - Programa 02 - 18/08/2019
Vinhetas Programas Antigas
Abertura SS Faustão Fantastico 2019
--------------------------------
Abertura:
Foghat - Honey Hush
Zé Béttio
--------------------------------
Bloco 01 -
(Poesia) - Fernando Pessoa - Poema em Linha Reta (Osmar Prado)
Bob Dylan - One More Cup Of Coffee (Live 1975 )
Cowboy Junkies - Sweet Jane
Cinema Cego - Batman 2 - Cena do Interrogatorio
Cigarros California
----------------
Poema em Linha Reta
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
--------------------------------
Bloco 2 -
Roberto Piva - Profetico 1987
Imperial (Eterna Faixa 1 - Pele Sintética - CASSETE
Blues Riders - O Domador de Tempestades
Cinema Cego - Clube da Luta
Cigarros Continental
----------------
Imperial - Pele Sintética
O sol rasga o meu rosto
com os dentes da loucura
e eu sinto nossa vida
tão pulsante e quente
quanto pele sintética
Estamos num trem cheio de víboras
vagando à beira do abismo
e seus olhos estreitos brilham
quase tanto quanto seu passado
Assim as montanhas somem
assim nos separamos
e não esconda o rosto
enquanto nossas coisas viram pó
A chuva bate no meu rosto
gelada como o beijo de um lagarto
e eu sinto sua tempestade
e eu sinto sua pele
Nas cidades onde mora a fome
todos gozam a inanição
com os olhos satisfeitos.
----------------
Blues Riders - O Domador de Tempestades
Ia em desespero e em torrentes,
Correndo rumo ao insuportável
O vendaval dos meus tormentos
No frio duma noite interminável
Muito tempo me teve a solidão
Agora o silêncio foi abandonado
E devastador a passos largos
Como por rio, arrastado
Senhoras e senhores
Respeitável público presente
Eu trago a tempestade nos meus braços
E uma faca presa nos meus dentes
Senhoras e senhores
Respeitável público presente
Trago raios pra curar o seu riso
E sobre vocês, eu lançarei granizo
Corre meu amor em torrentes,
Correndo rumo ao insuperável
Um vendaval nos meus desejos
Na luz dum dia interminável
E como rio que salta no infinito
E deixa no fundo a solidão afogada
Palavras nos vales de minh’alma
Deixando a voz embargada
--------------------------------
Bloco 3 -
(Poesia) - Barata Cichetto - O Século XXI Lhe Deu Razão
Lemmy Wendy OWilliams - Jailbait (HD)
Motörhead (Featuring Wendy O.Williams) - No Class (Live At Birthday Party 85)
Cinema Cego - Matrix Sistema
Cigarros Ela
----------------
Barata Cichetto - O Século XXI Lhe Deu Razão
O século XXI lhe deu razão; com seus coletivos egoístas, e seus egoístas coletivos; seus seletivos anarquistas, e seus anarquistas seletivos; seus computadores baratos, e seus celulares caros; seus ditadores de esmola, e seus educadores sem escola; seu analfabetismo político, e seus políticos analfabetos; suas mulheres plastificadas, e seus machos simplificados; suas crianças fascistas, e seus bebês tecnológicos; sua fome gourmetizada, e sua violência glamourizada.
O século XXI lhe deu razão, com seu excesso de tesão, e sua falta de desejo; seus pode-tudo, e seus nada-pode; sua moral ressentida, e sua imoralidade consentida; seu fanatismo ideológico, e seu onanismo lógico; seus ódios escarrados, e seus ócios cuspidos; seus cupidos tecnológicos, seus bêbados ideológicos; seus zoológicos humanos, e seus humanos lógicos; seus cérebros de silício, e suas alças de silicone; seus drones, e suas câmeras de seguranças.
O século XXI lhe deu toda a razão, com seus idiotas poéticos, e seus poetas agiotas; suas águas coloridas, e seus filmes sem enredos; seus medos de tudo, e seus segredos de nada; seus escritores de Twitter, seus pensadores de Whatsapp; seus filósofos de Instagram, e seus Youtubers; suas hashtags, e seus emoticons; seus notebooks, seus facebooks, e seus smartphones.
O século XXI lhe deu razão, com sua morbidez feérica, e sua rapidez cadavérica; seus quinze minutos de fama, e seus dois minutos de cama; suas cobras de isopor, e seus lagartos de papel; sua falta de poesia, e sua afasia; seu progresso sem ordem, e sua desordem ordenada; sua devassidão clériga, e sua imensidão estreita; seus rocks sem roll; seu futebol sem gol, e seus blues sem cor.
O século XXI que lhe deu razão, com suas palavras ressignificadas, suas mulheres empoderadas, e suas tolices toleradas; suas intolerâncias generalizadas, e suas prepotências potencializadas; suas cotas de felicidade, suas botas de faculdade, e suas roupas de facilidade; sua pornografia sem tesão, e sua pornográfica razão; seu politicamente correto, e sua política incorreta; seu pensamento engessado, e sua burrice premiada.
E o século XXII também lhe dará razão, Roberto Piva.
- Barata Cichetto, do século passado, no século presente; e sem futuro.
--------------------------------
Bloco 4 -
(Poesia) Thin Lizzy - Sitamoia (*)
Peter And Gordon e Raul Seixas - Willow Garden # A Beira do Pantanal
Flávio Cavalcanti - Nossos Comerciais Por Favor
Cinema Cego - Sin City
Cigarros Hollywood 1985
----------------
(*)
Barata, Anjo Ou Demônio
Barata Cichetto
Quando Quero Sou Anjo,
Quando Desejo Sou Demônio.
Quando Não Quero Nem Desejo,
Barata!
----------------
Sitamoia
Sitamoia
Sitamoia
Gidda gadda aga (?)
Sitamoia
Gidda gadda aga (?)
----------------
Barata Cichetto - A Felicidade da Dor
1 -
Quanto a mim, prefiro sempre a Dor sincera á uma Felicidade piedosa
Pois a Dor é sempre verdadeira e a Felicidade sempre uma mentirosa.
Oh Felicidade, antônimo da Dor, madrasta cruel da efêmera tal Liberdade
Melhor portanto a fisiologia real da Dor que a falsa filosofia da Felicidade.
Chega até mim agora a Dor com sua nudez virginal, imaculada e nova
Enquanto esperas a Felicidade, uma velha prostituta que a Dor reprova
Busques aquilo que mereces, a enganação em uma mitológica mentira
Pois a Felicidade, pobre religioso ungüento, da sua vida a verdade retira.
Mascarada quando chega e trajada de uma falsa alegria, ilusão do instante
A Felicidade, irmã bastarda da Liberdade é momento, irreal e inconstante
Prefiro pois a Dor nua e real, Deusa da Criação, santa protetora da Poesia
A Imaculada Virgem dos Lábios Sangrentos e das lágrimas sem hipocrisia.
2 -
Dor nossa que estás no peito, santificada seja o seu nome e o seu conceito
Venha a nós o vosso Reino e vossa Verdade em qualquer estado de direito
E seja feita a vossa vontade assim no Céu como no Inferno ao tempo certo.
Oh, Dor nossa de cada dia, perdoai aos arautos da Felicidade que mentem
Assim como nós perdoamos àqueles que não entendem a Dor que sentem
E não deixes cair na tentação da falsa Felicidade e levai-nos à Dor e além!
----------------
Sitamoia
Sitamoia
Sitamoia
Gidda gadda aga (?)
Sitamoia
Gidda gadda aga (?)
----------------
- Eu não sou o que eu escrevo, mas escrevo o que eu sou.
----------------
Bloco 5 -
Barata Cichetto - Concerto Para Máquina de Escrever e Disco Riscado - Grand Finale
The Lachy Doley Group - A Woman - Live at Lizottes - March 6 2019
Edgar Winter - Frankenstein
Cigarros Marlboro 1982
--------------------------------
Bloco 6 -
Zé do Caixão - O Corvo
Omnia - The Raven
Cigarros Lord
----------------
O Corvo - Tradução: Edson Negromonte (1998 - Brasil) Interpretação: Zé do Caixão
Monotonia da meia-noite; meditava, cansado, a ler
No caro e curioso Volume de Arcana Sabedoria —
Cochilando, quase sono; súbito, de leve batendo,
Alguém gentilmente chamando, chamando à minha porta,
"É visita", resmunguei, "batendo à minha porta:
Somente isso e nada mais."
Ah, nitidamente me lembro daquele gélido Dezembro
E as brasas em agonia forjavam fantasmas no assoalho.
Ansioso pela manhã, foi em vão o consolo do canto
Dos livros pra parar o pranto — pranto por lembrar Lenora,
Rara e radiante mulher que os anjos nomeiam Lenora:
Inominável mais e mais.
E o surdo incerto sussurro de seda da cortina púrpura
Estremeceu-me — encheu-me de fantásticos terrores;
Fiz a frase para acalmar as batidas do coração
E repeti: "É um visitante pedindo entrada à minha porta:
Sim, é isso e nada mais."
Logo minha alma fez-se forte; sem hesitar por muito tempo,
"Senhor," disse, "ou Senhora, suplico seu perdão, imploro;
Mas, de fato, estava dormindo, você gentilmente batendo,
E assim fracamente chamando, chamando à minha porta,
Difícil, incerto ter ouvido" — aqui, escancarei a porta —
Escuridão, nada mais.
Âmago da escuridão perscrutando, ali sondando,
Sonhando sonhos que nenhum mortal ousou jamais sonhar;
Na quietude que tudo toca, silêncio contínuo inquebrável,
E o único som que se ouviu foi num sussurro "Lenora!",
Sussurrei, e ecoou num murmúrio e retornou sem cor "Lenora":
Mera lei e nada mais.
De volta ao quarto retornando, por dentro a alma queimando,
Logo ouvi de novo chamando, pouco mais alto, deve ser.
"Com certeza," falei, "por certo, há alguma coisa na janela;
Vou ver de que se trata então e o mistério esclarecer —
Deixo o coração sossegar e o mistério esclarecer:
É só o vento e nada mais."
Com grande tranco destranquei a janela, e, filho da fúria,
Embarafustou-se altivo o Corvo dos dias de outrora.
Nem a menor mesura fez; nem um minuto se deteve;
Porte de senhor ou senhora, empoleirou-se na porta,
Empoleirou-se no busto de Palas no alto da porta:
Justo ali e nada mais.
Um bardo de ébano burlando-me da doce fantasia, e sorrindo
Ante o grave e austero decoro e compostura —
"Apesar da crista raspada rente, tu és seguro e crente,
Horrível, venerável Corvo errante nos ermos da noite:
Diga, então, teu nobre nome é dos ermos de Plutão?"
Grave o Corvo, "Nuncamais."
Espantou-me a deselegante ave, ao ouvir-lhe replicante,
Apesar de reticente — resposta pouco pertinente;
E há de concordar conivente, nunca nenhum ser vivente
Jamais foi abençoado com pássaro vidente sobre sua porta,
Bardo ou besta sobre o busto esculpido sobre a porta,
Com tal nome "Nuncamais."
Cavo corvo encravado justo ali no plácido busto,
Toda sua alma nesta palavra, era uma forma de florão.
E nada além disso ele disse, doloroso dorso do riso;
E não mais que num murmúrio — "Amigos, todos se foram;
À aurora ele também irá, assim como todos se foram."
O bardo bradou, "Nuncamais."
Assalto ao silêncio por réplica, resposta, de pronta ciência,
"Sem dúvida, o que repete é só a refração de um refrão,
Conversa de mestre infeliz em desesperada desgraça
A vociferar feroz sua breve e brusca canção:
Endecha a irromper em bruna e breve e brusca canção
Nesse 'Nunca — nuncamais.'"
Foi o corvo burlando-me de toda triste fantasia;
Sorrindo trouxe um coxim e sentei ali em frente ao bardo,
Ao busto, à porta; no veludo afundando, fui religando
Fatos, fantasia, buscando se o ominoso bardo de outrora,
Se o deselegante, lúgubre e ominoso bardo de outrora
Só crocita "Nuncamais."
Ocupado conjeturando, nenhuma sílaba exprimindo
À ave dos olhos de fogo; no meu peito ainda a queimar;
Assim sentado adivinhando, a cabeça logo reclinando
Na almofada de veludo, à luz do lampião a volutear,
De veludo violeta, à luz do lampião a volutear,
Era ela, ah, nunca mais!
Tocou-me, então, um ar frio e denso, e, um intraduzível incenso,
E um frágil e fresco serafim, acima do assoalho, revoa.
"Desgraçado," gritei, "por fim, Deus deu-te alento — recebes
Repouso — repouso e nepente às tuas lembranças de Lenora!
Prova, oh prova o doce nepente, e olvida a lívida Lenora!"
Aprovou o Corvo, "Nuncamais."
"Profeta!", falei, "ser odiado — ainda profeta, bardo ou diabo!
Que tentador ou tempestade lançaram-te a este lodo,
Desolação que tudo dana, terra deserta de encantos —
Retiro onde ruínas rondam — diga a verdade, imploro:
Há o bálsamo de Galaade? Há? — diga — diga, eu imploro!"
Cortou o Corvo, "Nuncamais."
"Profeta!" falei, "ser odiado — ainda profeta, bardo ou diabo!
Pelos céus suspensos ao longe, pelo Deus que ambos adoramos,
Fala à minha alma que, sem calma, reclama, lá no distante Éden
Aplacar a saudade daquela que anjos nomeiam Lenora:
Rara e radiante mulher que anjos nomeiam Lenora!"
Cortou o Corvo, "Nuncamais."
"É uma ordem, signo, vai-te!, vate das profundas!," estridente,
"Volta à tempestade," entre dentes, "aos ermos noturnos de Plutão!
Leva os truques que me distraíram, leva o azar de tua asa, só farsa!
Deixa-me à solidão que enlaça! Deixa o busto sobre a porta!"
Cortou o Corvo, "Nuncamais."
E o Corvo, curvado, nem aflito, está sentado, está sentado
No pálido busto de Palas justo sobre minha porta;
E seus olhos semelhantes aos de um demônio a dormir,
E a luz do lampião tremulando, traduz sua sombra no assoalho:
E minha alma já sem flama, da sombra flutuando no assoalho
Livrar-se-á — nuncamais!
--------------------------------
Encerramento
Rush - In The End
(Poesia Incidental: Barata - Seres Vivos)
Já pensaram
Que as palavras também são seres vivos?
E, portanto também suscetíveis à angústia?
E que angustiadas,
As palavras se transformam em Poesia?!
Gil Gomes Lhes Diz
Gyroscopio - Abertura 2019
--------------------------------
BG - Emerson Lake And Palmer - 1971 - Tarkus (1987)